Porque disse não à amamentação

“Não consegui amamentar porque não me deixaram ter o descanso e o espaço psicológico e físico que precisava. Um filho que nasce a 26 de Dezembro, primeiro neto, um rodopio lá em casa como se fosse a romaria, um pega e deixa pegar, um faz assim, outro não faças assim, uma mãe a querer espaço e a não querer ser mal educada, uma sogra que marca festa de fim de ano como se fosse um casamento para mostrar o rebento, uma mãe cansada, o pós-parto, pontos e tudo o resto, um turbilhão de emoções”.

Não foi por acaso que escolhemos o testemunho da V. para iniciar este artigo. Ainda que a opção tenha sido praticamente uma força das circunstâncias, a verdade é que a já falada pressão social e a falta de noção sobre os limites de espaço entre mãe e bebé podem dificultar todo o processo, tornando-o duro e mais complexo do que, pela própria natureza, já é.

Ainda que se saibam os benefícios do leite materno e, sendo certo que a Organização Mundial de Saúde aconselha a amamentação em exclusivo até aos 6 meses de idade do bebé e, quando há possibilidades, como complemento até aos dois anos da criança, há uma pergunta que poucos fazem: mas e se a mãe não quiser amamentar? Não terá esse direito sem ser automaticamente vítima de juízos de valor?

Quem já frequentou um curso de preparação para o parto ou foi acompanhada de alguma forma antes do nascimento da criança, sabe que a palavra amamentação faz parte do discurso dos formadores. Inconscientemente, cria-se um agravamento na pressão natural já sentida pelas quase mamãs que, convenhamos, nem sempre têm dentro de si o desejo de amamentar o seu filho. O medo das represálias, de se sentirem más mães ou menores face às restantes, leva a que muitas vezes esse desejo seja silenciado e, quando não é, nem sempre é respeitado.

Depois de um parto difícil e de ter pedido para não amamentar, Joana F. viu o seu pedido ser negado pelas próprias enfermeiras, conta-nos. “Passei 3 dias no hospital, e sempre a pedir para darem ao meu bebé… e foi-me sempre negado!”. Este é, aliás, um testemunho com o qual várias mulheres se identificam. “no centro de saúde diziam “não pode parar", dizia, Filipa, que partilhou connosco que ao terceiro filho escolheu parar de amamentar dado o grau de exaustão. “Era dia e noite no peito, sempre que não estava no peito chorava. Não conseguia dormir, não conseguia ir ao wc, não conseguia fazer nada.... Andei em modo zombie pelo menos 1 mês”.

Mas Filipa informou-se e, ainda que consciente de que ia “levar tau tau das enfermeiras, da sociedade”, como brincou, optou por parar a amamentação pela sua própria “sanidade mental” e recuperar “o equilíbrio emocional que tinha perdido”.
Mas e quando a escolha é forçada?

Maria contou-nos que uma epidural mal aplicada, “líquido raquidiano reduzido, cefaleia de último grau, 20 dias isolada na mesma posição sem sequer poder virar a cabeça para a medicação” não lhe deram outra opção, ainda que o seu desejo inicial fosse amamentar.
Já Soraia falou-nos de um fator bastante comum e que nem sempre é abordado: os mamilos invertidos.

Cerca de 10% das mulheres que são mães pela primeira vez têm pelo menos um mamilo invertido, ou seja, que se retrai para dentro no centro. Não é impossível amamentar com esta condição, mas pode tornar-se mais doloroso já que o bebé tem de fazer um esforço maior do que o normal na sucção.

Joana Santos contava-nos que, no caso dela, era a própria bebé que não tinha força suficiente para mamar. A sucção insuficiente fazia com que as mamadas fossem frequentes, o que acabou por deixá-la esgotada e a bomba de extração fosse um recurso de salvação: “com a bomba tudo melhorou...”.

Quando a saúde da mãe fala mais alto

“Passei mesmo por um momento complicado durante a minha gravidez (...) e fiz uma coisa que muitas mulheres fazem neste país. Tive de tomar anti-depressivos”. Sem pudores na hora de dizer o que muitas mulheres pensam mas, mais uma vez, pelas pressões sociais acabam por se calar.

Jéssica Athayde sempre contou a dificuldade que foi enfrentar a gravidez e se, antes de ter Oliver, a atriz já tinha mencionado que não tencionava amamentar dado um problema de saúde anterior que a levou a ser “operada de urgência” e que, com “o facto de dar de mamar poderia implicar ter de ir a uma nova operação”, a verdade é que, a toma da medicação acabou por dar-lhe ainda mais força: “Tomei a decisão de não dar de mamar, porque se eu desse de mamar podia passar o anti-depressivo para o bebé”.

“Nenhum bebé é feliz se a mãe não é feliz”, remata Jéssica.

Ainda que o fator “licença de maternidade” possa ter sido relevante para o aumento do aleitamento em exclusivo, noutros tempos, já que o período concedido aumentou entre o final dos anos 90 até metade desta década, a verdade é que, na sociedade atual sofreu algumas alterações e, a atual geração de mães e pais, muitas vezes por não possuírem uma rede familiar de suporte, acabam por ter de regressar ao trabalho após os quatro ou cinco meses de licença.

Muitas vezes, as mães acabam por se questionar como farão quando a licença terminar e os seus bebés tiverem de ficar entregues a outro cuidador, seja numa creche, com uma ama ou algum familiar.

“Nem todos os agregados têm um orçamento familiar que lhes permita uma baixa alargada ou partilhada com o pai”, lamenta Patrícia. “Sim, é verdade que podemos congelar o leite ou extraí-lo antes, mas nem todas as mães conseguem uma extração eficaz com a bomba... a melhor bomba é a sucção do bebé”. Nestes casos, que acabou por ser o seu, refere que “a questão da amamentação em exclusivo, depois dos 4 ou 5 meses do bebé, passa a ser logo ponderada e, muitas vezes nas consultas, acabamos por perguntar como vamos fazer quando for o regresso ao trabalho”. No seu caso, a decisão acabou por ser óbvia, mas, nem por isso, fácil.

“Não ia conseguir extrair leite pelo que congelar não era opção e, como inicialmente ela bebia sempre um biberão de suplemento antes de dormir, começou a beber também um durante a tarde e eu dava de mamar antes de sair para o trabalho e quando chegava a casa, novamente. Depois fui reduzindo para a mama apenas de manhã e fui introduzindo as sopas até que deixei de amamentar”.

São, então, vários os motivos que levam uma mulher a decidir não amamentar. Seja por escolha própria ou por condicionantes externas, a verdade é que esta terá sempre de ser uma escolha da mãe.

O mais importante é que não se carregue uma culpa que não tem de ter! Afinal, quer amamentem ou não, as mães serão sempre mães ou, como nos dizia a Soraia “amamentar tem várias formas, e não define a Mãe que és”.