Testemunho: Patrícia Castanheira

Olá. Então cá vai o meu testemunho. E obrigada pela iniciativa, o meu texto obrigou-me a rever 5 meses de grandes mudanças e, no fundo, reflete a fase em que estou agora, a de sentir uma imensa necessidade de me desculpar à minha filha por ter de voltar ao trabalho. O texto é isso mesmo, o meu pedido de desculpas para ela.

Cuca meu amor, um dia talvez venhamos a partilhar estas palavras regadas com um copo de vinho enquanto desabafas as tuas aventuras da maternidade. Hoje, porém, elas são só para mim. Não te sei explicar muito bem o que senti a primeira vez que te vi, comigo não foi aquele arrebatador amor à primeira vista que tantas mães descrevem, mas a culpa disso também pode ter sido de toda a medicação que me bombearam para o sangue.

Recordo vividamente cada momento do teu nascimento e as infindáveis 18h que o antecederam, mas não me lembro como se tivesse acontecido comigo, eu estava quase que a assistir - mais uma vez, os medicamentos devem ter de facto toldado as minhas emoções. Seja como for, para mim o momento em que, pela primeira vez, me senti mãe de alguém (tua, portanto) foi quando, depois de algumas horas sem acordares para mamar e as enfermeiras insistirem que tinhas de o fazer, chega uma enfermeira nova na mudança de turno e resolve virar-te do avesso para acordares. Ainda entorpecida do parto, não compreendi muito bem o que se passava e de repente aquela enfermeira estava violentamente a bater-te nas costas para logo de seguida te levar dali a correr. Estiveram contigo quase 1h, foram os 48 min mais aterrorizantes que já vivi: não sabia o que tinhas ou para onde te tinham levado, tinha acabado de conseguir levantar-me da cama, mas nem sabia para onde ir. Quando voltaste, lá me explicaram que te tinham feito uma lavagem ao estômago, pois ainda trazias algumas secreções do útero, mas os teus níveis de açúcar estavam bem e estavas exausta, portanto podias afinal dormir sem mamar. E assim, apercebi-me, entretanto, foi durante aqueles 48 min de pânico que me tornei mãe, a tua mãe.

Três dias depois era tempo de te trazer para casa e assim foi. O papá não cabia em si de felicidade e uma certa incredulidade, mas eu, eu estava estarrecida. Ficámos sozinhas as duas durante os 3 dias que se seguiram, éramos só tu e eu: sem enfermeiras para servirem de paraquedas; sem o conforto de partilhar a experiência com a companheira de quarto, que como eu aprendia com cada tentativa/erro, um bocadinho de cada vez; sem o teu pai para partilhar as inseguranças e a responsabilidade de te ter aqui. Mas conseguimos e no final desse tempo já nos entendíamos, eu já conseguia perceber como choravas para comer ou como choravas porque precisavas do teu soninho. Durante 2 ou 3 dias o que mais te fez chorar foi mesmo a fome que sentias, pois o leite teimou em não subir, só com 5 dias foste finalmente capaz de comer uma boa refeição - dormiste quase 6h a seguir, tão grande foi a lambança. Doeu tanto. Por esta altura já tinha o peito gretado, vermelho, dorido, tudo. Ainda chorei alguns dias sempre que mamavas, até que nos habituássemos as duas a esta nossa nova condição. Contra a opinião de toda a gente (toda a gente mesmo! Sabes, a partir do momento em que dizes ao mundo que estás grávida, de repente toda a gente sabe ser mãe melhor do que tu, toda a gente tem alguma coisa a opinar!), começaste a dormir comigo logo nas primeiras semanas e só agora, com 4 meses começas, por ti própria, a não querer dormir senão sozinha, só tu, a tua fraldinha e a pepê (a chucha aqui para o clã dos Vilafanhas).

Sabes, a mãe tem um bocadinho a mania que sabe tudo, mas a verdade é que não toma nenhuma decisão que não seja a mais bem informada possível, sobretudo no que te diz respeito a ti. Tem sido assim com tudo: com o teu soninho, com as tuas horas de comer e dormir (que são uma decisão tua, ao teu ritmo), com os colos e o tempo que choras até te darem os miminhos que pedes (aqui também não te deixamos chorar muito, se queres mimo, damos-te todo o mimo do mundo, na creche logo terás muito tempo para não o receberes sempre que pedes), com a creche, com a forma de introduzir os alimentos sólidos na tua alimentação - absolutamente tudo tem sido uma decisão só do papá e da mamã. E é tão difícil fazer tudo assim! É uma luta constante, todos os dias tenho de repetir, o mais educadamente possível, que a tua mãe sou eu e que aquilo que resulta para os bebés de cada um é para cada qual decidir e perceber. Sabes, a verdade é que não sou daquelas mães que fica a babar para cima de ti quando adormeces, nem daquelas mães que pensa em ti 24/7, o que muitos franzir de sobrolho me vale. Sou antes o oposto, sou aquela mãe que vai dar uma volta sozinha sempre que adormeces e o papá está por casa, sou aquela mãe que tantas vezes se esquece de ti porque algum artigo novo de pré-história me captou a atenção e acabei a devorar avidamente as suas páginas, ou até mesmo porque fui beber um café com alguma amiga e de repente dou por mim no meio de uma discussão teórica qualquer - e no fundo acho que isto até é saudável (pumba, mais uns sobrolhos franzidos!). No auge da minha frustração de uma noite mal dormida ou dias inteiros sem sair de casa por estares doentinha, dou muitas vezes por mim a pensar que não sou mais a Patrícia, que sou só a mãe da Cuca.

Mas porque raio não hei de poder ser a Patrícia, mãe da Cuca?! Críticas oiço-as aos molhos (nem tanto, o meu temperamento é difícil de mais para me virem aborrecer muitas vezes), mas lembrar-me de quem sou e ter escapes como uma boa troca de ideias, por exemplo, é importante. Para mim é e acho que para ti também, a longo prazo. Criar uma menina na nossa sociedade parece-me tão difícil e por isso quero que me vejas não só como a tua mãe, mas também como a mulher e cientista que sou. Preocupa-me pensar como te verás no mundo, qual julgarás ser o teu lugar e o limite dos teus sonhos. Quero um dia poder partilhar contigo a minha ciência, as minhas ideias e ideais, ensinar-te pelo exemplo. Lá estou eu outra vez, a fazer como bem entender, sem prestar atenção ao coro de "faz assim que eu é que sei" que todos os dias me repetem ao ouvido. Mas não nos dispersemos. Só há alguns dias completaste os teus 4 meses neste mundão e a mãe já está com coisas de ciências e filosofias várias. Não te apoquentes meu doce, para já interessa é celebrar contigo cada uma das tuas conquistas: comeste ontem a tua primeira sopa e, para nosso espanto, adoraste! Hoje comeste a tua primeira maçã (que já não te agradou tanto), já gostas de brincar com os teus bichinhos coloridos e já te ris para a Mirtys (a mana mais velha de 4 patas). Todos os dias são diferentes e a cada dia aprendes mais uma coisinha, ultrapassas mais um obstáculo, seja ele já não teres cólicas, já te virares, seja palrares o tempo todo ou até mesmo a atenção que já devotas ao mundo em teu redor. Agora até já descobriste como chapinhar com pés, percebeste que no espelho há outra mamã, que se refilares alto até o papá te pega no colo, que gostas de vozes grossas e sorris para qualquer um que tenha uma, percebeste que não gostas de músicas de embalar, mas gostas que conversem contigo. É tanta coisa e o ritmo é tão alucinante!! Ainda não sabes, mas a mamã está quase a voltar ao trabalho e começa a pensar que a partir de agora não vai lá estar quando fizeres uma nova descoberta ou aprenderes uma nova gracinha, mas a mamã vai guardar todos os tesourinhos que colecionou nestes 4 meses e meio e guardá-los para sempre: a partir de agora, bebé, já não serás só minha, mas do mundo e, ainda que relutantemente, terei de aprender a partilhar-te com ele.