Mãe solteira por opção

“Mãe solteira” é uma expressão que se faz acompanhar de um certo estigma social. Quando referimos que alguma mulher o é, provável é que oiçamos alguém replicar com um “coitada” ou, em alternativa, com uma pergunta sobre o atual paradeiro do pai. Há poucas dúvidas que restem esclarecer no debate sobre as dificuldades inerentes à educação de uma criança - especialmente quando a mesma é feita e organizada por uma cabeça, um par de braços e um ordenado - mas no que diz respeito à forma como a sociedade olha para a monoparentalidade, ainda existem muitos preconceitos por derrubar. Para a Inês, isso foi o que menos importou. Depois de a vida lhe ter desfeito um par de planos, esta mulher decidiu que, em 2018, o amor de um casal não é um requisito a preencher para quem quer ser mãe. A Inês não sonhou com a maternidade a vida inteira. A dada altura, aconteceu, sem grandes projetos. Aí, conta, tudo mudou. Por questões clínicas, foi obrigada a interromper a gravidez. E a ideia de se tornar mãe, mesmo sem parceiro, começou a ganhar força.

Para a Inês, a inexistência de um par nunca foi suficiente para a privar do que quer que fosse. E este foi mais um desses casos. “Nunca me senti mais completa por ter alguém ao meu lado. Ou mais feliz. É claro que se tivermos alguém com quem partilhar muitas coisas, e sobretudo, amor, é tudo melhor. Mas isso nunca foi uma questão para mim. Portanto, eu também não deveria precisar de um companheiro para poder criar a minha própria família”, disse. Foi com este pensamento que a Inês começou aquilo a que se chama “produção independente”. Partilhou a decisão com os amigos mais próximos e com os pais e não demorou a visitar uma clínica de fertilização. Por esta altura, o difícil estava feito. Depois de ter colocado a sua vida em perspetiva, restaram-lhe poucas dúvidas sobre a decisão que estava a tomar. Teve a sorte de ter uma boa reserva de óvulos, e isso conduziu-a a um processo simples e rápido, que culminou numa inseminação artificial, feita com o esperma de um dador anónimo que a clínica considerou ser o par ideal do seu perfil. A quem já colocou o assunto em cima da mesa e não avançou por receio do processo, a Inês quer dizer que “não custa nada”. “Tem a duração de um ciclo menstrual. Durante 15 dias, tomamos uma injeção diária com hormonas que alimentam os óvulos. De três em três dias, temos de fazer uma ecografia que mostra aos médicos a evolução dos óvulos. No dia anterior à inseminação, toma-se uma outra injeção que estimula a ovulação. A inseminação é depois feita em dois dias seguidos. O processo é simples, indolor e muito rápido. Depois resta esperar que a natureza faça o seu trabalho. Ao 15º dia faz-se uma análise ao sangue para sabermos se engravidámos ou não. Se o resultado for positivo, ainda somos acompanhadas pela clínica até aos dois meses de gravidez. Depois passamos para o nosso médico e somos acompanhadas como grávidas normais”.

Inês Fontoura prefere que lhe chamem “mãe independente”. Apesar de pouco lhe importarem os preconceitos da sociedade, considera a expressão “solteira” demasiado redutora. “As mães solteiras estão conotadas como pessoas que foram abandonadas de alguma forma. Ou o pai não quis assumir a criança, ou abandonou-os depois, etc. E a mim ninguém me abandonou. Eu escolhi ser mãe sozinha”. E isto importa na altura de contar a sua história. A Inês não acredita que as famílias tradicionais sejam melhores ou piores que as outras e isso fá-la duvidar de que tenham mais para oferecer. Afinal, não há ciência que comprove a existência de uma correlação direta entre o tradicionalismo e a saúde das relações humanas que se estabelecem no seio familiar. Não lhe preocupam os estigmas nem os preconceitos. Como qualquer mãe, a Inês preocupa-se com o futuro. “Tens de ser uma mulher bem resolvida e determinada para embarcares numa aventura destas porque se ser mãe acompanhada não é fácil, ser mãe sozinha de certeza que também não há de ser”, diz. “É por isso que também foi importante para mim perceber, antes de tomar uma decisão destas, qual era a rede de apoio que eu tinha à minha volta. A minha mãe vive praticamente ao meu lado, o meu pai também vive perto, e depois tenho um grande núcleo de amigos, que sempre me apoiou desde o início”.

À Inês, interessam-lhe outros aspetos, como a educação, as finanças e a instabilidade de um futuro que nunca se adivinha. “Não me preocupa o que os outros pensam e dizem. Isto é uma decisão minha. É verdade que existem pessoas que o consideram egoísta, mas isso não é suficiente para me criar qualquer tipo de dúvida. Afinal, é da minha vida que estamos a falar e eu não abdico dela para agradar a ninguém. Se eu não deixo de ter filhos porque não tenho namorado, também não deixo de ter filhos porque há pessoas que não gostam, seja por que razão for”.

Aos 41 anos, a Inês não vai ser a primeira mulher sem companheiro em Portugal. Na verdade, desde janeiro de 2017 que a legislação permite mulheres sozinhas engravidarem com recurso à Procriação Medicamente Assistida. Há dois anos, os dados do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) ainda não eram conclusivos, mas já era possível perceber que eram várias as mulheres que esperavam a publicação da legislação para iniciarem tratamentos. No ano da implementação, e só nos primeiros quatros meses que se seguiram à mesma, foram comunicados 16 processos do género. Destes, sete foram inseminações artificiais, sendo que as restantes se dividiram entre fertilizações in vitro e injeções intracitoplasmáticas (fecundação com espermatozoides selecionados). É provável que nem todos os processos tenham resultado numa gravidez. Atualmente, a taxa de sucesso destes procedimentos ronda os 20%, no caso das inseminações artificiais intrauterinas, os 45% nas in vitro e os 65%, quando há doação de ovócitos.

A Inês vai ser mãe daqui a poucas semanas. É um menino e vai chamar-se Luca.

fotografia de Ruy Coelho